segunda-feira, 30 de junho de 2008

O Homem do Sonho


Hora de dormir. Finalmente! Depois de um dia exaustivo, repleto de pessoas mau humoradas, de chefe mau humorado, de trabalho intenso no escritório, de congestionamentos por todos os lados, discussões, barulhos de automóveis, furadeiras, tratores, buzinas, ar-condicionado, anúncios nos alto-falantes, de sirenes de carros de polícia, bombeiros, ambulâncias... e mais uma infinidade de coisas que só de lembrar já lhe davam irritação.

Alfredo era o herói, enfrentava esse caos todos os dias. Estava exausto, cansado a ponto de fechar os olhos. Chegou em casa, conversou sério com sua esposa sobre o que havia acontecido naquele dia, tomou um bom banho para lavar a alma, jantou, assistiu um pouco de televisão e recolheu-se na cama. Era só relaxar, esquecer o resto do mundo, e entrar no mundo confuso dos sonhos.

- Boa noite amor! Não fique assim não. O importante é que já passou. – disse Helen, sua esposa.

- Eu sei. Durma com os anjos! Eu também vou procurar descansar. – murmurou ele, dando-lhe um beijo carinhoso na boca.

Dormiram. Que milagre o vizinho não ligara o som do carro naquela hora da noite! Era uma benção! Então, já que a noite estava silenciosa, Alfredo teve a certeza: aquela noite seria a ideal para recarregar de verdade todas as suas energias gastadas durante o seu dia. E mais do que nos outros, naquele dia ele realmente estava precisando descansar.

“Como é bom estar na minha cama... sossegado... no silêncio... com a minha mulher...zZzZzZ”

Porém, de repente, ouviu-se um grito vindo do quarto ao lado.

- Não, não, não me machuque, não machuque o meu pai, por favor! Não! Socorro, socorro!

Era Lucas, seu filho, quatro anos, que mais uma vez estava tendo pesadelos.

Pai e mãe acordaram. Alfredo se levantou, pediu para Helen dormir, que ele vai ver o que houve com Lucas. O menino continuava gritando. Alfredo se apressou até o quarto. Chegando lá, viu o garoto desinquieto, virando de um lado para o outro da cama. Estava tendo um pesadelo.

- Psiu, calma filho! O papai ta aqui! Isso, calma, já passou, já passou...

O menino acordara assustado. Que pesadelo horrível! Abraçara o pai com toda força, como se aquele homem fosse o herói, o que acabaria com o vilão do pesadelo. Alfredo o abraçou, o acalmou, esperou que aquele pobre coraçãozinho recuperasse os batimentos normais.

- Pai, ele era horrível, ele queria eu, ele queria o senhor...

Pobrezinho, sonhando com o velho e conhecido bicho papão...

- Filho, o bicho papão não faz mal a ninguém, é só um pesadelo!

- Bicho papão? Não pai, bicho papão não tem arma...

“Arma? Ele sonhou com arma?”

- ...era um homem feio, que gritava, berrava, falava um monte de palavrão!

- E o que ele fez, filho?

- Ele veio pro nosso carro e gritou com o senhor. Pediu dinheiro e o senhor disse que não tinha. Daí ele apontou aquela coisa na sua cabeça e depois apontou pa minha. Eu gritava para ele não matar o senhor!

Alfredo ficou estático.

- Puxa filho! Que sonho horrível! Vamos esquecer isso. Vamos lembrar só dos sonhos bons certo?

- Tudo bem pai! Mas não sei se vou conseguir dormir de novo! Posso dormir com o senhor?

- Claro meu filho! O papai dorme abraçado com você para espantar os pesadelos!

- Oba!

- Vem comigo. Cuidado para não acordar a mamãe.

E caminhavam pelo corredor, até que Lucas pára.

- O que foi? Por quê parou?

- Pai, aquele homem não existe de verdade, né?

Alfredo ficou calado. O menino já estava tão assustado com o homem! Temia que se falasse a verdade, ele não conseguiria mais dormir, e tirar isso da cabeça também.

- Não filho, é coisa da sua imaginação. Vamos dormir, já é muito tarde, ok?

O menino sorriu. Pelo menos essa noite ele não iria ter problemas para dormir.

Subiu na cama com ele. Ele no meio, e Alfredo na ponta. Embrulhou-se com o lençol. Abraçou Lucas e deu-lhe um beijo na testa. E então, sob a proteção calorosa dos braços do pai, o menino fechou os olhos e pegou rapidamente no sono. Já Alfredo, mesmo com todo o silêncio que agora pairava no quarto, percebeu que seria uma noite muito difícil de dormir...

Alfredo sabia, e muito bem, que aquele homem existia. Tinha o visto hoje de manhã.

São Paulo, agosto de 2002

FOTO: http://alerta.blogspot.com/2007/09/ultimamente-o-nmero-de-assaltos-tem.html

14 comentários:

Fernanda Fernandes Fontes disse...

Ai que horror: tanto do que havia acontecido de manhã, quanto do sonho do garoto. Que medo!

Alessandra Allegr!a disse...

Infelizmente na vida real nem todo mundo tem a sorte de abraçar o filho na volta pra casa, depois de uma cena dessas.
Vale a surpresa do final!
Li outros textos seus, e o cotidiano das metrópoles está vigorosamente salientado nas suas palavras!
Permita-se um pouco de sonho bom, as vezes!

FAz bem, no mais é um pedido:
Não pare de escrever!

Beijos

Henry Barros disse...

Fiquei com medo dessa historia *-*
Mas muito bom ^^
Gostei...


Passa no Blog do NerdMan
www.blognerdman.blogspot.com

Caio Rudá de Oliveira disse...

Gostei do conto. Tem aquele final surpreendente.

A linguagem também é bacana. Leve, como tem que ser. E nas falas, saiu bem coloquial mesmo.

Achei bacana também o slogan do blog.

Fernando Gomes disse...

Tenso hein..
gostei bastante desse texto..
só mostra mais uma vez que os verdadeiros "bicho-papão" somos nós, humanos.

Sobre seu comentário...
não vi o vídeo do Rock in Rio, mas vou imediatamente procurá-lo.
Pô, deve ser foda demais.

E não tava sabendo dessa nova formação do Queen?
o.O

Não sou muito fã de "novas formações".

Não deixe de visitar:
And I Said Goddamn!

ex-amnésico disse...

Saia justíssima! Como explicar para uma criança que essas coisas são reais e acontecem porque nós mesmos deixamos que aconteçam?

Pondo o dedo na ferida e com muita competência, pra variar!

***

E eu não cheguei a comentar o último Retrô; é como tentar apagar uma fogueira com gasolina: quanto mais coisas possuímos, mais vazios nos sentimos e para compensar queremos ter mais... e por aí vai.

Outonal abraço!

Contador disse...

Sonhos premunitórios, sintonia de amor fraterno, filhos...
Passei por um assalto desses a mão armada no ano passado. Traumático e trágico problema de grandes cidades. Fiquei sem dirigir por um tempo. Tbém tenho filhos para criar e amar. Me tocou profundamente tudo que vc escreveu aqui. Parabéns, por tanta sensibilidade e desenvoltura.
Gde Abraço

Diego Moretto disse...

Caramba... seria um deja´vu? A dúvida paira no ar,mas a história é intrigante. Adorei. Abração e vlw por sempre estar presente lá no DM cara. Abração!!

Fabrício disse...

Texto para e refletir e apreciar.

Primeira vez por aqui, mas com retorno garantido (como consulta médica!)

Abçs

Paloma Caroline disse...

A vida real é beeem mais terrivel que a ficção :/

Stanley Marques disse...

Que texto! Por alguns segundos lembrei-me das noites que meu pai confortava-me dos meus pesadelos. O bixo papão da nossa era existe. Ele conseguiu extrapolar a nossa faculdade imaginativa. Estamos propensos a conhecê-lo a qualquer momento. Triste. Real. Ótimo texto. Você escreve muito bem.

Obrigado pela visita no Antologia Racional!

http://www.antologiaracional.com/

Raphael disse...

Excelente texto. Quando eu era criança eu tinha medo de abelhas, de corujas, de morrer afogado na piscina, de levar mordida de cachorro... o imaginário hoje se molda pela realidade dura que o poder público ainda não mudou.

Parabéns pelo texto.

Amanda disse...

hum...por isso a mulher disse já passou....


Fazer o quê...a violência é tanta q a gente se acostumou...o vizinho do funk alto, os ladrões da rua, os maloqueiros de barzinho...quem me dera fosse tudo um sonho, em que eu pudesse acordar...e viver em outro mundo.....sem guerras, conflitos, sequestros, assaltos...pena qué não é so um sonho...é real. Tão real que a gente não tem como se livrar do fargo pesado de que isso pode acontecer com qualquer um em qualquer lugar... tenho menos que 13 anos, e cê já tenho uma consciência pesada para ir á escola sozinha, com medo de pegarem meu cel, mochila, cadernos...imagine quando for mais velha...

O medo paira em todos nós nessa sociedade malfeita e injusta.

Edu França disse...

Cara que história é essa, qual o fundamento disso, é real?