quinta-feira, 5 de junho de 2008

O Papel é Mais Paciente que o Homem - Parte IV - Final

Peço novamente desculpas por estar postando só hoje. Ontem pareceu ser o dia dos imprevistos... mas tá aqui, o último capítulo, tá meio longo, mas eu garanto que ao ler você nem vai perceber que terminou, ou mesmo que perceba, não vai se arrepender...

Sala de reunião. Normalmente, quando a equipe era convocada para essas reuniões com seu Gomes, sempre para lhes dar algum sermão, pairava naquela sala um clima de “O Aprendiz” da Tv Record, bem naquele momento em que os participantes aguardam a entrada de Roberto Justus. Mas lá não, o clima estava tão descontraído, mas tão descontraído, que a reunião parecia mais uma confraternização. O motivo?

- Nossa, tangerina podre... KKKKKK.

- Eu sinceramente não queria ver a cara do seu Gomes hoje... Não vou conseguir me segurar quando ver a cara dele e aquele mania de ajeitar as calças...KKKKK

Era só o assunto. Finalmente, alguém falara palavras “sábias” e verdadeiras sobre seu Gomes. Marcelo apenas observava aquela cena, todos comentando do papel, todos comentando dele, todos fazendo fofoca sobre o ato de Marcelo, e principalmente, onde estaria o tal papel, já que Dona Maria, a faxineira, espalhou o papel suspeito que entregara a seu Gomes e a sua reação após recebê-lo.

- Nossa... Nunca pensei que causaria tanto nessa empresa com esse papel... – sussurrou a Afonso. – Acho que falei demais. Já tão inventando coisas que eu não escrevi. O que eu fiz cara... Devia ter tomado mais cuidado com aquele papel... Eu nem sei o que vou fazer quando o seu Gomes esfregar ele na minha cara aqui, na frente de todo mundo...

- Relaxa. Qualquer coisa a gente inventa que foi intriga de alguém, sei lá. Mas não fica assim não, a gente ainda não tem certeza se é mesmo o seu papel o não. Apesar que tudo indica que sim, né...

- Obrigado pelo ânimo...

E de repente, a maçaneta da porta foi brutalmente mexida. Silêncio. Por fim, ajeitando as calças, eis que surge seu Gomes, com a sua cara visivelmente cheia de olheiras, e também visivelmente furioso, com jeito de quem estava prestes e despejar coisas que estavam entaladas na sua garganta.

E com um sorriso irônico, soltou:

- Boa tarde.

- Boa tarde. – todos responderam, apreensivos.

- Muito bem... Acho que já perco demais o meu tempo falando com vocês, por isso, irei ser o mais sutil possível sobre o que vim tratar nessa reunião. Na verdade, de inicio, era sobre um assunto só, mas nessa tarde ocorreu um certo fato muito infeliz que acabou entrando na pauta, portanto, senhoras e senhores, iremos tratar sobre dois assuntos importantes.

Marcelo sentiu um frio a percorrer o seu corpo.

- Ontem o gerente geral me chamou a atenção para o comportamento da nossa equipe, coisas fúteis como questão do lixo, conversas altas no corredor, assuntos inapropriados para o ambiente de trabalho e até mesmo problemas no visual como barba por fazer, vestimentas não adequadas ao que diz as normas da empresa, e outros fatos que me deixaram profundamente abalado. Afinal, vocês acham que estão aonde? Na casa de vocês? Num zoológico? É muita falta de postura e profissionalismo por parte de vocês! Há muito tempo já deveriam ter seguido o meu exemplo como profissional há quase vinte e cinco anos aqui dentro...

E ficou, por longos trinta e seis minutos discutindo sozinho sobre questões de postura dentro do ambiente de trabalho, fazendo comparações infelizes e citando nomes de funcionários na frente dos outros, deixando-os constrangidos. Com o tempo, aquele sermão foi dando sono a muitos que estavam ali, mesmo aos berros roucos que seu Gomes emitia, entre uma arrumada de calça e uma arrumada de gravata que ele vivia fazendo. E Marcelo permanência trêmulo, distante, apenas pensando no próximo assunto...

- E é isso senhoras e senhores “não-colaboradores”. Agora, vamos ao segundo assunto que vim tratar hoje. Estava eu em minha sala, me preparando para o que ia dizer referente a essa reunião, quando a faxineira na qual sempre me esqueço o nome vem a minha sala e me entrega este papel aqui...

E tirou o papel do bolso, exibindo as suas costas, a parte com o logotipo da empresa, para todos os presentes naquela mesa. Todos olharam para Marcelo, que ficava cada vez mais pálido, e em seguida voltaram a olhar para seu Gomes, disfarçando ao máximo os seus sorrisos.

- Nunca pensei em vinte e cinco anos de empresa que viveria uma situação tão constrangedora como essa! Um absurdo! Uma vergonha! Uma...- e mordeu os lábios, resolvendo não dizer. – Alguém tem algo a dizer sobre isso?

Silêncio absoluto. Afonso, como bom amigo, deu discretos tapas nas costas de Marcelo, que á esta altura, já sentia o seu corpo todo tremendo.

- Ninguém? Então tá... já que ninguém se manifestou, então vou escolher a pessoa certa para falar sobre esse assunto, não é mesmo, senhor MARCELO?

Susto. Olhares sobre o dito cujo. Marcelo olhou para seu Gomes, que com seu olho que mais parecia uma arma mirando sobre ele, continuou:

- O que o senhor tem a me dizer sobre isso aqui?

Já era tarde. Pelo jeito, era mesmo o paepel. Não tinha mais como fugir. Falaria a verdade, ou inventaria a famosa desculpa, “armaram isso tudo pra mim”? Não, não ia colar. Seu Gomes pouco liga para os seus funcionários. Ele será mandado embora do mesmo jeito. O melhor era falar a verdade.

- Me desculpe seu Gomes, não foi a minha intenção denegrir a sua imagem. Na verdade estava chateado porque horas antes lhe apresentei um projeto de melhoria para o nosso setor e o senhor simplesmente se recusou a me ouvir, ainda dizendo que eu só era pago pra obedecer...

- Sei...

- E sinceramente, não acho justo dar esse tratamento a um funcionário que apenas quer dar o melhor de si, e o senhor pode ter certeza, essa sua postura arrogante colabora e muito para todas essas criticas negativas que o senhor mesmo acabou de citar aqui na reunião. Tome as providencias que o senhor preferir em relação a mim, mas eu não me arrependo de ter escrito esse papel desacatando o senhor. Foi apenas uma maneira que encontrei de descarregar aquilo tudo que estava entalado na minha garganta referente ao seu modo arrogante e repressor com quem tem tratado a mim e a todos presentes aqui na sala. O senhor pode ter o tempo que for aqui dentro, mas uma coisa, que, sendo sincero, o senhor ainda não aprendeu é que funcionário não deve só ser pago para obedecer, e sim para colaborar com a equipe dando o melhor de si. É isso.

Silêncio. Olhares assustados e fixados nos dois. Seu Gomes também estava mudo, sem reação, com os olhos ainda fitados em Marcelo. Balançou a cabeça, suspirou, e por fim, deu o seu veredicto:

- Você está certo, senhor Marcelo, não tiro a sua razão. Pode ter certeza que farei o possível para tratar a todos conforme a sugestão do senhor, desde que também façam a sua parte. Agora, vou lhe confessar uma coisa, estou chocado com esse papel que você me escreveu. Muito chocado! Onde ele está?

- Onde ele está? Ora, na sua mão.

- Isso aqui é apenas um relatório do desempenho da equipe. Aliás, era disso que eu ia falar. Não tinha visto ainda esse papel, e confesso que fiquei estarrecido com a nossa decadência em seis meses. Era isso que eu ia mostrar. Mas agora eu quero saber, onde está esse papel?

- Então... ele não estava com o senhor?

- Se estivesse acha que eu estaria perguntando?

Marcelo olhou para Afonso. Agora caíra a ficha. Além do papel não estar com seu Gomes, ele também não sabia de nada... até ali.

- Eh... o que o senhor ia falar mesmo sobre o relatório?

***
- Nossa, meu ouvido tá doendo até agora, cara. – disse Marcelo, enquanto arrumava as suas coisas em sua sala.

- Eu imagino. Pow cara, não sei nem o que dizer. Por causa de um papel aconteceu isso tudo. Ainda bem que ele não te mandou por justa causa, não é?
- Pois é, ele sabe que eu to certo, e ele percebeu o quanto a equipe anda insatisfeita com a gestão dele. Chega uma hora que até gente casca grossa feito ele percebe as coisas como são à sua volta. Mas eu não me arrependo de ter escrito aquele papel, não. Agora me sinto muito melhor, primeiro por ter descarregado tudo aquilo, e segundo, por ter falado na cara do seu Gomes o que ele precisava ouvir.

Era a hora da despedida, antes de passar pela última porta que um empregado demitido sempre passa, a do departamento pessoal.

- Valeu mesmo Afonso, obrigado por tudo.

- Que é isso. Amigos são pra essas coisas. E vê se não fura naquela pelada que a gente marcou no sábado á tarde hein!! Não quero perder o contato com você.

E deram aquele abraço de macho, contido, mas de coração. Em seguida, Afonso disse:

- Bem, sem emprego por muito tempo você não fica. O meu amigo vai te indicar lá onde ele trabalha. Ganha até mais do que aqui e o chefe de lá é muito gente boa. Já te dei o telefone né?

- Deu, tá aqui no bolso...- e começou a fuçar no bolso só para conferir.

Foi então que, de repente, Marcelo mudou de expressão. Ficara estático.

- O que foi, cara? – perguntou Afonso.

E de repente, Marcelo puxa junto com a anotação do telefone, um papel amassado, com o logotipo da empresa.

- Eu não acredito! – surpreendeu-se Afonso. – Isso...

E Marcelo abriu o dito cujo.

- Sim, é ele. Puta que pariu... agora que eu me lembrei. Teve uma hora que seu Gomes falou da reunião, e no nervosismo, quase que inconscientemente,e enfiei com tudo dentro do meu bolso, mas lá no fundão mesmo. Nesse nervosismo todo eu nem... Ah, mas deixa quieto. Agora já é tarde. Vou guardar esta obra prima como lembrança. Pelo menos agora eu to livre daquele imbecil. Bem, vou nessa então. Mais uma vez obrigado por tudo, amigo.

- Que é isso. Desculpa não poder descer com você, mas é que o seu Gomes me entupiu de tarefas hoje, alegando que eu precisava ter mais o que fazer... – disse rindo.

- Beleza então. Até sábado.

- Até sábado.

E Marcelo fechou a porta. Afonso, agora sozinho na sala, sentou em sua mesa, ligou o seu computador, e começou a mexer com as suas planilhas. Olhou para a mesa vazia ao lado.

Sim, Marcelo faria muita falta, muita mesmo...

- É, bem que o meu avô dizia, o papel é mais paciente que o homem...

E pelo resto do dia Afonso assim ficou: cheio de trabalho, mas rindo sozinho.

Obrigado, de coração, a todos que tiveram a paciencia de ler e acompanhar todos os capitúlos dessa história...

FOTO: http://www.yogainlasvegas.com/images/stress_one.gif

7 comentários:

Leandro Ventura disse...

Hahhahahahaahha!

Sabia que no final eles se entregariam. História muito boa! Consegui visualizar cada detalhe. Muito bom!

Realmente, "o peixe morre pela boca". O papel é mesmo muito mais paciente.

Adriano Caroso disse...

Adorei cara. Pra falar a verdade, eu esperava um final muito próximo do que foi. Não tive grandes surpresas. Mas você tem um talento enorme para prender o leitor e a história foi muito bem construída. Nota dez. Parabéns!

 ADM disse...

estou deixando o meu comentario mas ainda nao li a historia, vou pegar ela desde o começo pq so ler a parte final nao tem graça ou nao concorda?
Estarei lendo desde de o começo.
abraços.

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baixe o seu cd preferido ate com internet discada.

Jullyana Albuquerque disse...

Cara eu juro que tentei, mas a série não só é em partes, como em partes longas....

Enfim quem sabe na próxima

Paloma Caroline disse...

Li tuuudo \õ/
aaah muito tri *-*
muito tri mesmo :D


adoro os seus textos, por maiores que eles sejam


Beijo :*

ex-amnésico disse...

HAHAHAHAHA! O que eu ando perdendo!

Pena que não se faça (nem se acompanhe) mais radionovelas, você faria o maior sucesso! rsrsrs


Abração!

Gi Olmedo disse...

Sem dúvida, eles realmente se entregariam no final...

Adorei a sequencia.

beijos!