domingo, 27 de abril de 2008

O Mal da Gota

Era uma cidade como outra qualquer.

Tinha a sua civilização, os seus parques, os seus prédios, as suas bocas e os seus esgotos. Tinha um aspecto saturado, com trânsito, ruas esburacadas e gente individualista e desconfiada de todos. Também era violenta.

Num certo dia, em um parque, um rapaz que descansava próximo a uma árvore viu uma estranha gota cair na grama. Levantou-se e foi até onde estava ela. Media mais ou menos dois centímetros, e possuía uma cor que variava da posição que se olhava. Ela brilhava quando olhada no lado em que estava batendo sol, e o restante estava opaca, quase cor de petróleo. O rapaz nunca tinha visto aquilo, e em pouco mais de cinco minutos, já havia um grupo de pessoas em volta daquela gota estranha, inclusive um vendedor de lanches e um gari, todas curiosas para ver o que era aquilo.

Começaram os boatos. Falaram em petróleo, substancia radioativa, ou até mesmo em sinais do apocalipse. Logo, toda a cidade estava comentando sobre a gota, que àquela altura, fora coletada por um cientista e guardada no laboratório que ficava no coração da cidade, um local teoricamente seguro. Tentou-se analisar a gota com toda a cautela possível, mas nada fora descoberto. O cientista começou a se desesperar, porque o líquido o tempo todo mudava de cor e aos olhos dele parecia muito ameaçador. Com o tempo e as tentativas de analise sem sucesso, ficara neurótico com aquela gota, e adoeceu tendo que ser internado às pressas, se afastando do caso.

Outro cientista assumiu o controle. De longe, entupido de roupas e acessórios de proteção, examinou o líquido por várias vezes e não conseguiu descobrir nada, nem a procedência, nem exatamente o que era. A sua apreensão e medo do líquido eram tantas, que num descuido, deixou cair a amostragem com o liquido no chão. Ao pôr a mão para catá-lo, cortou o dedo nos cacos. Um colega começou a gritar que fora a gota, e mesmo o cientista dizendo que não, foi desmentido. Logo, o assunto virou notícia, e já chegara ao ponto de se noticiar que a gota era maldita e que seria na verdade uma nova forma de vírus contagioso e sem cura.

E logo, o cientista foi preso, e o laboratório isolado. Um dos policiais que analisavam o local onde foi quebrado o vidro de amostragem, por descuido, escorregara e batera a perna numa mesa, chegando a sair sangue e a abrir um hematoma. Ao sair do prédio se viu no meio de uma chuva de flashes e de câmeras o filmando, e um dos repórteres dizendo que o policial também fora contaminado. Mesmo negando, o policial também fora preso e isolado do resto da população, e a gota, mais uma vez nomeada a protagonista de um possível principio de epidemia.

E daí por diante, surgiram mais boatos, onde se dizia que a região do parque onde caiu gota estava contaminada e que também deveria ser isolada. Porém, pessoas que freqüentavam o parque onde ela foi encontrada, se desesperaram imaginando que já haviam sido contaminadas. Os habitantes, com medo, passaram a lotar todos os dias os postos, hospitais e pronto-socorros da cidade, achando que qualquer machucado ou mancha que aparecia na pele já era indícios de contaminação da gota. A doença então, ficou conhecida como o “Mal da Gota”.

A noticia do “Mal da Gota” tivera muita repercussão, chegando até ao exterior. Vários cientistas do mundo inteiro, curiosos, se ofereceram para investigar afinal o que seria essa gota. Alguns chegavam a contestar essa doença, afinal até então ainda não havia provas concretas de que os sintomas causados eram devido a tal substância. Porém, com medo de mexer naquilo que estava isolado no coração da cidade, o prefeito recusou a ajuda dos cientistas e não permitiu que o laboratório fosse reaberto. Houve protestos contra e a favor desta decisão, contando até com a participação de celebridades e políticos. O prefeito manteve a sua decisão.

E devido a esse medo generalizado, pessoas começaram a desenvolver diversos sintomas e doenças como úlceras, dores pelo corpo, insônia, ansiedade, síndrome do pânico, taquicardia e entre outros. Casas, apartamentos e estabelecimentos comerciais foram postos a venda a preço de banana. E mesmo assim, poucos estavam conseguindo vender.

E com o tempo, a cidade foi se tornando deserta. O laboratório foi isolado com concreto. Estabelecimentos comerciais, bancos, lotéricas, entre outros, fecharam as portas. A cidade enfim, morrera, e junto com ela, as noticias sobre o “Mal da Gota”, que aos poucos foi caindo no esquecimento popular.

Anos depois, um cientista resolveu mandar uma equipe às ruínas da cidade, e com autorização judicial, reabriram o antigo laboratório.

No local onde havia caído o frasco, havia apenas uma marca de um líquido que não existia mais.

E então, após a uma analise tranqüila e desprendida de pré-conceitos, finalmente fora descoberto o que era: apenas resíduo de lixo, uma mistura de substâncias químicas e orgânicas, e após muita investigação da justiça, descobriu-se que no local onde fora encontrada a gota, havia um gari que terminara de limpar a região, pegou a vassoura, sacudiu para limpá-la e a guardou no lixeira. A gota viera desta vassoura. Foi comprovado também que nenhuma das pessoas que sofreram machucados, nem o primeiro cientista que “analisou” o líquido, e nem o policial que isolou o laboratório, foram vítimas dessa gota.

O “Mal da Gota”, enfim, fora desmistificado, ainda que tarde demais.

E o preço pago foi uma cidade morta.


FOTO: http://victorunico.files.wordpress.com/2006/01/Gota%20dágua.jpg

sábado, 19 de abril de 2008

A Segurança de Eva


“Vivemos num mundo violento. Estamos num mundo violento.”

Era isso que sempre visitava a cabeça de Eva toda vez que ela acabava de assistir ao noticiário.

Eram tiroteios, assaltos, roubos, furtos, latrocínios; indo de condomínios de luxo até a mendigos, todos sendo vítimas da violência urbana.

Eva era recepcionista. Ganhava bem, tinha um mediano padrão de vida. Era formada em Comercio Exterior, porém ainda não exercia a profissão. Morava em um bairro de classe média de São Paulo. Um bairro onde suas ruas eram desertas, e ao olhar para os lados, deparava-se com um festival de grades de câmeras de circuito interno, além de no final da rua haver uma guarita e um guarda de plantão, contratado pelos moradores.

Mesmo assim, Eva não se sentia segura. Desde a primeira vez que foi assaltada, há cerca de dois anos, nunca mais desgrudou dos braços da palavra segurança. Andava apreensiva pelas ruas, sempre com as mãos coladas em sua bolsa. Mandou blindar o carro do seu marido, colocou grades em todas a janelas de seu apartamento. Proibiu seu filho de sair na rua, e para ocupá-lo, matriculou-o em cursos de inglês, natação, judô e teatro.

Mudara também as suas opções de lazer. Antes, saia com o marido à noite, e ia para boates, restaurantes, rodízios, e etc. Com o tempo passou a sair menos, especialmente depois de um dia em que, perto de casa, sentiu o carro do marido ser seguido por um veículo suspeito. Também ficara sabendo, num site de notícias da internet, que uma das boates que ela freqüentava, seis pessoas ficaram feridas por causa de um tiroteio após uma briga entre dois jovens de classe média-alta.

E Eva passou a ser mais caseira, mesmo sob reclamação do marido e dos filhos, que insistiam que ela deveria sair e parar com esse medo. Mas não adiantava, Eva ia seguindo sua vida por essa risca, e por mais que falassem, para ela, isso não era questão de medo, e sim de precaução. Ela era uma pessoa precavida, nada mais.

Mas, num certo dia, Eva foi convidada por uma amiga a ir numa festa de reencontro com o pessoal dos tempos do colégio. E era um tempo de que ela sentia muita saudade.

Eva sentiu bater algo forte dentro de si, e resolveu: iria nessa festa custe o que custasse.

Se arrumou, colocou o vestido mais bonito que possuía, enfeitou-se com um lindo par de brincos e um colar cintilante, e saiu. Seu marido não ia à festa, mas a levaria de carona até lá. Depois, para não vir sozinha, voltaria de carona com uma amiga.

E por fim, chegou à festa. Reencontrou velhos amigos, lembrou-se de histórias antigas, dançou as pérolas da sua época, falou besteiras com as amigas, e até esnobou um rapaz de quem ela gostava no primeiro colegial, mas que não a quis, preferindo uma linda loira da sala vizinha.

E por volta de uma da manhã, Eva olhou em seu relógio. Achou melhor voltar para casa.

Chamou a amiga, vieram conversando no caminho, rindo muito e fazendo uma análise do corpo e do vestuário das amigas e nos tímidos fios de cabelos brancos em alguns dos homens que estavam lá. Chegando próximo a rua onde morava, por educação, Eva pediu que deixasse ali mesmo no começo. A amiga ainda insistiu em deixá-la na frente de casa por segurança, mas, estranhamente, Eva não quis.

- Mas Eva, você vai sozinha até o seu prédio à essa hora? Você não tem medo?

- Ter eu tenho, e muito, mas sei lá, sabe quando você está naqueles dias em que você não liga muito para as coisas? Acho que tem uma hora que agente precisa relaxar.

A amiga então resolveu ir embora. Despediram-se e Eva passou a caminhar apressadamente rumo ao seu prédio, que ficava a dois longos quarteirões dali.

E continuou caminhando, sozinha, naquela rua deserta, quase às duas da manhã.

Porém, para a sua surpresa, percebeu que, do nada, um rapaz de boné, calça jeans rasgada e de jeito malandro, caminhava atrás dela. Eva então, com medo, preferiu não mais olhar para atrás, mas tinha certeza: o cara estava de olho nela.

Diante disso, apertara mais o passo. Arriscou uma olhada para trás. Viu que o rapaz estava com a mão no bolso e agora olhava firme para ela. Suas pernas começaram a tremer. Passou a sentir um forte frio na barriga. Acelerou ainda mais os seus passos. Ô quarteirão que não acabava logo! E parecia não haver mais ninguém na rua fora eles, e para completar, como havia muitas árvores na região, a iluminação estava reduzida: um cenário perfeito para se sofrer um assalto.

Não olhou mais para trás, mas o barulho do tênis do rapaz indicava que ele ainda estava a seguindo. Assustada, os olhos de Eva começaram a se encher d'água e a mulher passou a se abraçar, temendo que naquela noite, ela não chegaria em casa.

Mas, para piorar aquele pânico, Eva não viu um degrau elevado na calçada, e quando deu por si, estava despencando no chão, ralando o rosto no cimentado. Olhou para trás. Viu uma mão pegando em seu braço. Sentiu o coração sair pela boca, e no desespero se soltou, ficando rapidamente de pé e passando a correr. Começou a rezar em voz baixa. Ouviu mal encarado dizer alguma coisa, mas o seu medo a impediu de tentar identificar. Percebeu que o rapaz agora estava correndo atrás dela, e ofegante. E parecia estar cada vez mais perto.

“Eu preciso de ajuda! Eu acho que esse cara quer me estuprar!”

E ofegante, Eva resolveu gritar por socorro, porém, antes que saísse qualquer palavra, sentiu a mão peluda do tal homem tapar a sua boca. Pronto, já havia a alcançado. Era tarde demais.

E com as pernas bambas, Eva se agachou, ficando encolhida e dizendo em voz chorosa:

- Não moço, pelo amor de Deus não me faça mal! Por tudo que é mais sagrado...

- Calma moça! Eu não sou bandido não! É que eu vi a senhora caindo e só quis ajudar a se levantar. Me desculpe se assustei a senhora.

Eva enxugou as lágrimas. Olhou bem para o rapaz. De perto, ele não parecia mesmo ser uma pessoa ruim. E parecia até meio assustado, como ela.

- Eu estava andando meio apressado porque a senhora sabe, duas da manhã é meio complicado passar por aqui, mas sei lá, se eu te passei alguma má impressão...

- Não, tudo bem. – respondeu ela, ainda assustada, ficando de pé logo em seguida. – Com licença, eu preciso ir.

O rapaz nada fez. Apenas observou Eva se afastando e olhando para ele, ainda meio confusa, mas no fundo, envergonhada.

- Eu hein... mulher louca...

Foi só o que Eva ouviu antes de se afastar completamente dele. Entrou em seu prédio, subiu até seu quarto, e da janela observou o rapaz passando com aquele ar de malandragem, mas na dele. Agora estava assobiando, mas atento para todos os lados.

E após ver o rapaz sumir no final da rua, Eva fechou a janela pensativa, e concluiu, dizendo a si mesma:

- É... mulher louca.


FOTO: http://www.portaveiro.comimagesgrades_01.JPG

domingo, 13 de abril de 2008

Sessão Nostalgia


Hoje resolvi entrar na net e fazer uma sessão youtube. Assim como orkut e msn e outras tranqueiras afora, youtube vicia pra caramba!!!!

Pois bem, fuçando aqui e ali acabei encontrando verdadeiras pérolas: são aberturas de desenhos de grande sucesso nos anos 80 e 90, e que marcaram muito a minha infância (aliás, sendo mais expansivo, marcaram uma geração inteira).

Engraçado que, você olha os efeitos da época, as músicas, os estilos, até mesmo a dublagem, e sempre vêm aquela crítica que pra mim já virou até clichê “os desenhos de hoje não são a mesma coisa”.

E hoje, temos tecnologia capaz de fazer um adulto jurar que existiu uma nave alienígena sobrevoando na Terra, ainda que seja somente num desenho animado.

Vi alguns comentários no youtube, e muitos diziam a mesma coisa: naquela época faltava tecnologia e sobrava criatividade, hoje sobra tecnologia e falta criatividade.

Não sei dizer se isso realmente procede ao pé da letra, porque sei de desenhos de hoje que são ótimos, porém, eu também me incluo um pouco nesses comentários, porque sei lá, tem-se mesmo uma impressão de que se perdeu alguma coisa de lá para cá, talvez por parte dos desenhos que são feitos cada vez mais em caráter comercial, talvez das crianças de hoje, que possuem celulares e computadores com entretenimento até mais interessante do que ficar na frente de uma televisão, ou de nós mesmos, que crescemos, e hoje sabemos exatamente o mundo em que vivemos, um mundo que, mesmo inconscientemente, se esforça para matar a magia e a criança que existe dentro de nós mesmos.

Não tem jeito, eu sempre acabo soltando farpas de alguma coisa...rs

Bem, pra você, leitor, independente da idade, assista as aberturas de alguns dos desenhos de sucesso na TV, nos anos 80 e 90.

Bom divertimento!


Abertura de Nossa Turma - SBT



Abertura de Inspetor Bugiganga - SBT



Abertura de Popples - SBT



Abertura de Doug - inicialmente exibido na TV Cultura de SP



Abertura de Jaspion - Tv Manchete



Tenha uma ótima semana.

FOTO:http://www.rodrigoghedin.com.br/wp-content/jaspion.jpg

terça-feira, 8 de abril de 2008

Aprendendo Com o Sofrimento


Numa postagem que publiquei em 10 de fevereiro, de nome Adolescência, havia comentado que, para postar no blog, num daqueles dias de "horta seca", fucei nos meus textos antigos e havia encontrado um poema mas que precisaria ser editado. Assim que estivesse pronto, eu o publicaria neste blog.

Pois bem, ele agora está pronto.

O que publicarei hoje foi escrito quando eu tinha 14 anos. Naquele tempo eu chegava da escola, que era no turno da tarde, ficava assistindo tv e mexendo no meu primeiro computador (com internet discada da extinta Net Gratuita...rs), e quando chegava á noite, antes de dormir, pegava o meu caderno e começava a escrever e descarregar os meus sentimentos, na época, na forma de poemas.

Não foi fácil reeditar um texto na qual você escreveu com apenas 14 anos. O tempo mudou muito os quadros desse autor, bem como a sua forma de pincelá-los, mas o que me chamou a atenção nesse poema foi a sua essência. Desde aquela época eu já sabia que maduro mesmo é quem aprende com o sofrimento, ao contrário de tantas pessoas que apenas reclamam do que tem e não dão o seu devido valor, e não sabem tirar dos problemas e das situações difíceis um aprendizado para si mesmo.

Bem, segue então o poema. Por não escrever nessa estrutura há quase 4 anos, confesso que perdi um pouco o jeito para a coisa... mas acho que deu para passar a mensagem. Apenas interferi nas partes onde havia erros de ortografia, e completei alguma coisa que ficou faltando, mas o restante continua como no original.

Boa leitura.

Há pouco mais de quatro anos
Me mudei para uma nova fase
Já entrei tanto pelo cano
Que agora cobiço a maturidade

O mundo me vê de um jeito
Mas na verdade sou outra pessoa
Quando me acho perfeito
Me esnobo à toa.

Passo por caminhos claros
Que me animam e me inspiram
Vejo rios e lagos rasos
Que olhando para mim sorriam

Passo por caminhos escuros
Que me assustam e me põem na realidade
Vejo rios e lagos sujos
Cujas águas me sufocavam sem piedade.

A rotina nos come aos poucos
Sugando nossos sentimentos
Nos deixando cada vez mais loucos
De tantos aborrecimentos

Em outros momentos vem o riso
E a cada sol um novo sentido
E assim pela vida eu sigo
Com os olhos armados para o perigo.

Mas, afinal, o homem é feito de momentos
Num mar de acontecimentos
Navegando livre ou a força pelo sofrimento
Soltando lágrimas de arrependimento

Mas depois de tudo agora compreendo
Que no fim de cada sentimento
Mesmo com orgulho ferido por dentro
Recomendo aos olhares de descontentamento:

Maduro mesmo é quem aprende com o sofrimento.

São Paulo, junho de 2000


FOTO: http://www.shade.cc/bios/cover_eyes.jpg