sábado, 19 de abril de 2008

A Segurança de Eva


“Vivemos num mundo violento. Estamos num mundo violento.”

Era isso que sempre visitava a cabeça de Eva toda vez que ela acabava de assistir ao noticiário.

Eram tiroteios, assaltos, roubos, furtos, latrocínios; indo de condomínios de luxo até a mendigos, todos sendo vítimas da violência urbana.

Eva era recepcionista. Ganhava bem, tinha um mediano padrão de vida. Era formada em Comercio Exterior, porém ainda não exercia a profissão. Morava em um bairro de classe média de São Paulo. Um bairro onde suas ruas eram desertas, e ao olhar para os lados, deparava-se com um festival de grades de câmeras de circuito interno, além de no final da rua haver uma guarita e um guarda de plantão, contratado pelos moradores.

Mesmo assim, Eva não se sentia segura. Desde a primeira vez que foi assaltada, há cerca de dois anos, nunca mais desgrudou dos braços da palavra segurança. Andava apreensiva pelas ruas, sempre com as mãos coladas em sua bolsa. Mandou blindar o carro do seu marido, colocou grades em todas a janelas de seu apartamento. Proibiu seu filho de sair na rua, e para ocupá-lo, matriculou-o em cursos de inglês, natação, judô e teatro.

Mudara também as suas opções de lazer. Antes, saia com o marido à noite, e ia para boates, restaurantes, rodízios, e etc. Com o tempo passou a sair menos, especialmente depois de um dia em que, perto de casa, sentiu o carro do marido ser seguido por um veículo suspeito. Também ficara sabendo, num site de notícias da internet, que uma das boates que ela freqüentava, seis pessoas ficaram feridas por causa de um tiroteio após uma briga entre dois jovens de classe média-alta.

E Eva passou a ser mais caseira, mesmo sob reclamação do marido e dos filhos, que insistiam que ela deveria sair e parar com esse medo. Mas não adiantava, Eva ia seguindo sua vida por essa risca, e por mais que falassem, para ela, isso não era questão de medo, e sim de precaução. Ela era uma pessoa precavida, nada mais.

Mas, num certo dia, Eva foi convidada por uma amiga a ir numa festa de reencontro com o pessoal dos tempos do colégio. E era um tempo de que ela sentia muita saudade.

Eva sentiu bater algo forte dentro de si, e resolveu: iria nessa festa custe o que custasse.

Se arrumou, colocou o vestido mais bonito que possuía, enfeitou-se com um lindo par de brincos e um colar cintilante, e saiu. Seu marido não ia à festa, mas a levaria de carona até lá. Depois, para não vir sozinha, voltaria de carona com uma amiga.

E por fim, chegou à festa. Reencontrou velhos amigos, lembrou-se de histórias antigas, dançou as pérolas da sua época, falou besteiras com as amigas, e até esnobou um rapaz de quem ela gostava no primeiro colegial, mas que não a quis, preferindo uma linda loira da sala vizinha.

E por volta de uma da manhã, Eva olhou em seu relógio. Achou melhor voltar para casa.

Chamou a amiga, vieram conversando no caminho, rindo muito e fazendo uma análise do corpo e do vestuário das amigas e nos tímidos fios de cabelos brancos em alguns dos homens que estavam lá. Chegando próximo a rua onde morava, por educação, Eva pediu que deixasse ali mesmo no começo. A amiga ainda insistiu em deixá-la na frente de casa por segurança, mas, estranhamente, Eva não quis.

- Mas Eva, você vai sozinha até o seu prédio à essa hora? Você não tem medo?

- Ter eu tenho, e muito, mas sei lá, sabe quando você está naqueles dias em que você não liga muito para as coisas? Acho que tem uma hora que agente precisa relaxar.

A amiga então resolveu ir embora. Despediram-se e Eva passou a caminhar apressadamente rumo ao seu prédio, que ficava a dois longos quarteirões dali.

E continuou caminhando, sozinha, naquela rua deserta, quase às duas da manhã.

Porém, para a sua surpresa, percebeu que, do nada, um rapaz de boné, calça jeans rasgada e de jeito malandro, caminhava atrás dela. Eva então, com medo, preferiu não mais olhar para atrás, mas tinha certeza: o cara estava de olho nela.

Diante disso, apertara mais o passo. Arriscou uma olhada para trás. Viu que o rapaz estava com a mão no bolso e agora olhava firme para ela. Suas pernas começaram a tremer. Passou a sentir um forte frio na barriga. Acelerou ainda mais os seus passos. Ô quarteirão que não acabava logo! E parecia não haver mais ninguém na rua fora eles, e para completar, como havia muitas árvores na região, a iluminação estava reduzida: um cenário perfeito para se sofrer um assalto.

Não olhou mais para trás, mas o barulho do tênis do rapaz indicava que ele ainda estava a seguindo. Assustada, os olhos de Eva começaram a se encher d'água e a mulher passou a se abraçar, temendo que naquela noite, ela não chegaria em casa.

Mas, para piorar aquele pânico, Eva não viu um degrau elevado na calçada, e quando deu por si, estava despencando no chão, ralando o rosto no cimentado. Olhou para trás. Viu uma mão pegando em seu braço. Sentiu o coração sair pela boca, e no desespero se soltou, ficando rapidamente de pé e passando a correr. Começou a rezar em voz baixa. Ouviu mal encarado dizer alguma coisa, mas o seu medo a impediu de tentar identificar. Percebeu que o rapaz agora estava correndo atrás dela, e ofegante. E parecia estar cada vez mais perto.

“Eu preciso de ajuda! Eu acho que esse cara quer me estuprar!”

E ofegante, Eva resolveu gritar por socorro, porém, antes que saísse qualquer palavra, sentiu a mão peluda do tal homem tapar a sua boca. Pronto, já havia a alcançado. Era tarde demais.

E com as pernas bambas, Eva se agachou, ficando encolhida e dizendo em voz chorosa:

- Não moço, pelo amor de Deus não me faça mal! Por tudo que é mais sagrado...

- Calma moça! Eu não sou bandido não! É que eu vi a senhora caindo e só quis ajudar a se levantar. Me desculpe se assustei a senhora.

Eva enxugou as lágrimas. Olhou bem para o rapaz. De perto, ele não parecia mesmo ser uma pessoa ruim. E parecia até meio assustado, como ela.

- Eu estava andando meio apressado porque a senhora sabe, duas da manhã é meio complicado passar por aqui, mas sei lá, se eu te passei alguma má impressão...

- Não, tudo bem. – respondeu ela, ainda assustada, ficando de pé logo em seguida. – Com licença, eu preciso ir.

O rapaz nada fez. Apenas observou Eva se afastando e olhando para ele, ainda meio confusa, mas no fundo, envergonhada.

- Eu hein... mulher louca...

Foi só o que Eva ouviu antes de se afastar completamente dele. Entrou em seu prédio, subiu até seu quarto, e da janela observou o rapaz passando com aquele ar de malandragem, mas na dele. Agora estava assobiando, mas atento para todos os lados.

E após ver o rapaz sumir no final da rua, Eva fechou a janela pensativa, e concluiu, dizendo a si mesma:

- É... mulher louca.


FOTO: http://www.portaveiro.comimagesgrades_01.JPG

22 comentários:

Anônimo disse...

Parabéns,
Tens um blog muito cabeça mesmo.

Anônimo disse...

nossa que história1
bastante atual, parabéns, me lembra crônicas do Luis Fernando Verissimo
só digo uma coisa: de louca ela não tem nada:
quem não ficaria com medo hoje em dia?

Rafaela Fernandes disse...

Puxa demorei porque a história é longa hauhau, mas vamos lá:
Eu acho que o que tem de acontecer acontece, mas é claro que por isso não vamos pular na frente de um ônibus achando que nada irá acontecer se não for para ser....
Minha mãe sempre foi medrosa e eu sempre achei ela mais ou menos como a Eva da história, eu sempre fiz o que tinha de fazer sem medo e nem exageros...
Valew

Anônimo disse...

Esse texto serveria muito para uma análise do que é universal no que tange a alma feminina... Essa dualidade entre a mulher de fluxo interior (Eva) revelador ,mostrando um pouco do que há na diversidade gênero que alimenta tantas contradições.

levy ferreira disse...

heuhauea

adorei seu blog..
nao vamos cantar...eh a farda do colegio...;Pp

Panda disse...

heheheheh
coitada da Eva...

muito bom o texto, tu escreve com destreza

http://terradafenix.blogspot.com/

Thiago Borges disse...

Sinceramente, não considero louca não...
O mundo tá foda, e a gente tem que ter medo mesmo...

Fazer o que se a situação está horrível? "/

T.S.A disse...

kkkkkkk.. defina louco? xD

o louco é aquele q tem medo ou aquele q contribui com a violência? xD

Gi Olmedo disse...

Louca nada... talvez um pouco neurótica... mas quem não ficaria com receio nesta situação??

Hoje em dia temos q tomar todo o cuidado possível, mas sem medo de nos permitir viver.

Beijos!

Mila Cardozo disse...

Danilo!!!
Venho sempre aqui sim!!! Só naum ando me sentindo a altura pra comentar... hehehehe....
Quanto a pobre Eva... quem não tem um tantão dela em si, morando em cidade grande, vendo tv, tendo imaginação fertil ou sentido de sobrevivência??? Quem nunca pré-julgou algo ou alguem numa situação dessas que atire a primeira pedra.... hehehehe
Beijos Mila

Anônimo disse...

parabens, muito bom o blog, layout mto bem feito e muito bem escrito! sucesso

fm disse...

Nossa, muito legal. Parabéns!

Diego Moretto disse...

Mas rapaz, isso nada mais nada menos do que consequencia de ser ter uma vida urbana em pleno seculo XXI. Infelizmente. Alguns ficam neuroticos demais, outros nem ligam tanto.
Abração!!!

Danilo Lovisi disse...

Interessante.

Flávia Lago disse...

É, mas nos dias de hoje já não dá mais pra saber quem é e quem não é marginal.
Estamos sendo espionados por todos os lados, mas ainda assim a sensação de segurança passa longeee.
Sorte da eva que chegou bem e sã em sua casa.
gostei, ;*

Anônimo disse...

É o mundo ta osso num da pra confiar em ng... mas tb vamos concordar que mulher já meio louca mesmo. rsrsrssr

Euzer Lopes disse...

Somos prisioneiros de nossas próprias paranóias.
E o pior é que todas elas fazem sentido nestes dias tão violentos.

Dual disse...

muito legal o texto..
é seu?

parabens pelo blog..
passa la no meu dps!!

abraço!

José Vitor Rack disse...

topo a troca de links. já fiz minha parte, inclusive. grato pelos elogios.

SINOPSE INACABADA

IDÉIA NOVA

Jullyana Albuquerque disse...

já estou mais acotumada. quando comecei a andar a noite foi um terro, qualquer pessoa que passava eu tinha um enfarte.

Critical Watcher disse...

Que conto moderno!
Gostei bastante da EVA e, principalmente, da cautela que possuía... Nos dias de hoje, arriscar a vida pode ter um preço muito alto. E quando em família, esse preço é tão mais alto que chega a ser imensurável... Uma coisa me chamou a atenção: o nome Eva, de trás pra frente, é escrito como Ave, que é um animal de atenção tremenda e muita agilidade... Foi proposital? Parabéns.

Unknown disse...

Sentir medo é algo tão normal! Eu sou medrosa de carteirinha, mas não deixo de fazer nada que estou afim.
Muito bom texto!

http://maynabuco.blogspot.com